terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Abaixo do céu


Todos os dias ele olhava o céu e franzia a testa como quem força a visão. Em seguida voltava pra dentro de casa. A cena era vista pela manhã, tarde e noite. Havia uma curiosidade entre a vizinhança: o que tanto ele via ou queria ver? Os vizinhos especulavam sobre o assunto.

Na opinião de um grupo, o homem olhava o céu pra saber se ia ou não chover; outros vizinhos supunham que tinha uma audição tão aguçada que sabia que uma aeronave estava naquela rota, sendo difícil de ver porque muito distante da terra.

Mas havia alguém que imaginava diferente de todos. Bianca, 13 anos, cega de nascença, sabia da história de tanto que se comentava. Ela não podia ver o homem franzindo a testa, "esticando" os olhos e sequer podia ver o céu. Mas defendia que o homem não procurava nada: ele apenas queria chamar a atenção dos vizinhos.

Bianca entendia de rejeição. Cansada de ter sua opinião ignorada, encheu-se de coragem e foi até ele num daqueles momentos de disse-me-disse. Com sua bengala em mão, esbarrou nele na calçada. Pediu desculpa. Ouviu um "tudo bem" e perguntou:

"Está olhando o céu, né?". Ele disse: "Como sabe?". E ela: "As pessoas comentam que você sempre faz isso". Ele: "E você acredita sempre no que dizem?".

Bianca ficou desconcertada, mas foi direto ao ponto. "Por que você vem aqui de manhã, de tarde e de noite e fica olhando pro céu?". 

Ele respirou fundo e respondeu com outra pergunta: "Por que você acha que faço isso?". Ela disse o que pensava e contou do preconceito que sofre por ser cega. O homem, então, disse que ela havia acertado a razão dele olhar o céu com tanta freqüência.

A atitude de Bianca fez com que outras pessoas se aproximassem dele e fizessem indagações. Ele sempre respondia com uma pergunta e em seguida dizia que haviam acertado.

De manhã ele queria saber como seria o tempo naquele dia. À tarde queria ver o avião. À noite a solidão era tanta que ia pra rua na esperança de alguém falar com ele; o que agora acontecia bastante. O homem não deixou de olhar o céu, mas passou a compartilhar o que via e sentia. 

Fátima Nascimento

7 comentários:

  1. Fátima, você é de uma sutileza deliciosa de ler.
    Kenny Rosa (http://cronicandocomvoce.blogspot.com)

    ResponderExcluir
  2. É uma parábola das mais emocionantes e deliciosas de se ler pela sua narrativa leve a agradável, Fátima. Meu abraço. Paz e bem.

    ResponderExcluir
  3. Kenny, obrigada! O que vc disse pra mim é um incentivo e tanto. Meu abraço.

    ResponderExcluir
  4. Cacá, o texto fluiu... Ficou dessa forma. Que bom que apreciou tanto.

    ResponderExcluir
  5. Splanchnizomai, vc sempre a gentileza em palavras e atenção. Meu abraço afetuoso.

    ResponderExcluir

Vai comentar? Que bom!